Um relato sobre a falta de preparo com que os
alunos saem do ensino regular para os cursos técnicos
Ginho de Souza
O professor
usava camelos e ursos polares para exemplificar a tolerância de determinadas
espécies a temperaturas extremas. A ideia era começar com seres, digamos,
maiorzinhos, até chegar às bactérias que não podem ser vistas a olho nu. No
frigir dos ovos, os mamíferos figurariam em uma analogia para determinar os
cuidados que se deve ter com doenças causadas por microrganismos.
A aula era
de microbiologia e o professor se empenhava em sair da explicação “arroz com
feijão”, para que seus alunos traçarem uma linha de raciocínio baseada em
elementos visíveis e, mais à frente, quando chegassem aos microscópicos,
entendessem com mais facilidade. Porém, sequer chegou a completar o primeiro
raciocínio e foi interrompido por um rapaz. _Professor. Disse ele. Se estamos
fazendo um curso de enfermagem para cuidarmos de pessoas, por que o senhor está
falando de camelos e ursos polares? Ou isso aqui é um curso de veterinária e eu
não estou sabendo?
A sala gargalhou.
O professor
coçou a cabeça, observou os ventiladores que não davam conta de dissipar o
calor do amontoado de gente debaixo da luz fluorescente... respirou... suspirou
e emendou: _Oquei. Então vou mudar a metodologia do exemplo. E prosseguiu.
Dessa vez figuraram esquimós e beduínos, em substituição a ursos polares e
camelos. _Os esquimós, disse todo paciente, suportam baixas temperaturas e os
beduínos, altas. Se trocarmos um para o habitat do outro, certamente terão
sérias complicações de adaptação.
Diante do
silêncio acompanhado da perplexidade – agora não somente do aluno que
questionou, mas da cara de “ué” – de toda a sala, o professor prosseguiu, como
que numa tentativa de elucidar a interrogação coletiva e chegar logo nos
finalmentes da prosa: _Com as bactérias acontece a mesma coisa, por exemplo, se
colocarmos um alimento congelado fora do freezer, ele certamente estragará com
maior rapidez, pois os microrganismos que não são resistentes ao frio, em
temperatura ambiente atuarão no alimento tornando-o impróprio ao consumo em menor espaço de tempo.
_ Continuo
não entendendo, professor. Levantou a mão o mesmo aluno. O senhor só me
confundiu com camelo, esquimó, urso, bactéria e, como é mesmo? Jesuíno?
A sala gargalhou novamente.
A sala gargalhou novamente.
Elegantemente,
o professor pigarreou, fez que não entendeu o gracejo e perguntou ao aluno. _O
senhor conhece a parábola do professor que ensinava matemática,
usando maçãs como exemplo?
_Não.
Respondeu.
_Então vou
contar a história. Prosseguiu o professor. _Certa vez um dedicado professor
ensinava a operação de adição a seus alunos. Ele perguntou para a sala: se
tenho três maçãs e ganho mais duas, com quantas fico? E o Joãozinho retrucou:
professor, por favor, o senhor teria como trocar as maçãs por laranjas? É que
com maçãs não consigo entender.
Entenderam
a analogia? Perguntou o professor.
A sala se
manteve em silêncio.
Foi ali que ele percebeu que a sala de aula – com alunos sendo preparados para
atuarem em hospitais, postos de saúde e outros locais onde se deve ter um
auxiliar de enfermagem – sequer sabia o significado da palavra analogia.
No final da
aula o professor pediu demissão.
E viva o
construtivismo selvagem.