terça-feira, 30 de outubro de 2018

Amor tatuado na alma

(Ginho de Souza)

Tem amor que não morre. Alguns desidratam, deixam de existir, caem no completo e total esquecimento. Mas os que não morrem, não morrem; talvez até se modifiquem, transmutem, mas não, não morrem. É com essa credulidade que tento justificar um dos meus muitos amores que não morreram. Não sei exatamente como começou, dado ao considerável hiato temporal, ou atemporal, como quiser, entre o encontro, a separação e o fugaz reencontro. Mas sei que nunca deixou de coexistir paralelamente aos tantos outros que se sucederam.

Nós ainda éramos dois adolescentes descobrindo o mundo e tentando dar conta das provas que a puberdade nos impunha, com seus segredos místicos. Para nós, o caminho mais audaz por onde nos atrevíamos caminhar era um beijo caloroso e uns amassos, sentados no banco da praça olhando pro chafariz que nos presenteava com um colorido de arco-íris pelas gotículas de água borrifada, atravessadas pelas luzes artificiais. Nos cerca de seis meses que mantivemos válido o “quer namorar comigo?”, essa foi a mais ousada peripécia que nos permitimos. Mas isso não queria dizer que, por não termos ultrapassado a linha proibida da libido, nos faltasse algo para manter os batimentos cardíacos na casa dos 200 bpm, quando nos encontrávamos.

Bastaram seis meses – ou um pouco mais, ou um pouco menos, não sei – para esse amor se incrustar como tatuagem em nossas almas. Também não cabe aqui desfiar como se deu o rompimento, porque a importância da pureza exalada por aqueles dois seres, quando estavam juntos, se sobrepôs desde sempre a qualquer limite de tempo preestabelecido.

A roda gigante da vida rodou, rodou. Amores giraram junto com ela. Alguns deram várias voltas e permaneceram plácidos como se ali fosse seu porto de ancoragem; outros permaneceram o suficiente para perceber que não valia a pena dar mais que uma volta; houve também aqueles que queriam se jogar de lá de cima, na impaciência de completar os 360 graus. A maioria teve começo, meio e fim, como um texto didático que se propõe a contemplar o leitor com uma narrativa coerente e coesa. Mas aquele amor não. Ele ficou. Sem pé, nem cabeça, sem começo, sem meio e sem fim. Mas ficou. Mesmo depois que o parquinho da adolescência partiu levando consigo a sua roda gigante e deixando em seu lugar, um chão firme para se pisar (premissa da vida adulta), acho que nós nunca nos esquecemos um do outro.

E aqui começa onde quero chegar: depois de muitos anos, as obrigações do trabalho nos puseram frente a frente e o sentimento de revê-la pode ser comparado a um sonrisal que, enquanto está quieto dentro do envelope, se mantém fiel às características de comprimido, mas quando lançado num copo d’água, se desmancha todo até diluir por completo.

Foi esse o sentimento que tive ao me deparar com a menina dos seios mais lindos do universo, que uma vez – e tão somente uma vez –, tive a oportunidade contemplar, com o olhar enviesado, quando ela descuidadamente se inclinou em minha direção deixando à mostra através da blusa decotada, os bicos rosados da mulher que despontava dentro daquele corpo, ainda franzino, mas em transição.

Os cumprimentos de praxe de quem não se vê há muito tempo foram protocolares, mas alguma força do universo nos congelou num olhar silencioso e terno. O abraço que se sucedeu também tinha uma liga de antimônio, fundido ao calor dos nossos corpos e que se moldou à forma onde fora depositado. Eu senti a sensação de ter encontrado o encaixe perfeito para o último pedacinho de um quebra-cabeça de 10 mil peças. Foi recíproco, não tenho dúvidas. Disfarçamos, porque o silêncio nos pôs incomodados com a falta de diálogo e a gigantesca interrogação que se precipitou nas nossas cabeças. Afinal de contas, o que era aquilo? Que sentimento louco era aquele que se apoderou de duas pessoas que não se viam há décadas, mas que se seguraram dentro de um abraço? Diria Nietzsche: como dois navios que ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol. Parecendo haver chegado ao seu destino e ter tido um só destino.

Mas se a intenção do malvado destino era brincar de esconde-esconde, a minha, a partir daquele momento, era me tornar parte do mundo da mulher que desgrenhou minha fita de DNA e amalucou meu superego. Eu precisava vê-la novamente, mas longe, bem longe de lugares profissionais. Um vinho em outro dia, quem sabe? Ela aceitou.

A primeira garrafa hidratou a conversa, que se manteve comportada na esfera da vida enfadonha e regrada de quem estuda e trabalha para sobreviver. Em meados do segundo Cabernet Sauvignon, o papo já fluía com mais deitadas de cabeça no meu ombro, deixando exalar o perfume amadeirado, todas as vezes que se ria de alguma palhaçada minha. A essa altura meus neurônios não definiam mais o que era real e confesso que daquele sonho, eu jamais queria despertar.

O táxi nos levou ao hotel onde entramos de mãos dadas enquanto eu me sentia como se segurasse as mãos de uma semideusa do Olimpo. O silêncio era tanto, que destacava dois corações disputando quem fazia as vezes de surdo e contra-surdo na nossa escola de samba particular.


O deus do silêncio determinou a toada daquela noite e nós permanecemos assim por um longo período, nos entreolhando, como se buscássemos misturar nossas almas, pelos olhos um do outro. Sim. Nossas almas, nossos corpos se misturaram. Adormecemos assim: respirando um, a respiração do outro. No dia seguinte ficou somente a promessa de nos rever, quem sabe, em outra órbita estelar.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Mais uma de amor


2° texto da série
"Meus amores"

Amar não é fácil. Não é tarefa para amadores. Amadores que se aventuram nesse caminho, sem preparo para administrar o percurso, sem perceber que estão dentro de um redemoinho, invariavelmente se machucam e, dependendo da queda, herdam sequelas, às vezes, irreversíveis.


Então qual é o segredo para não se machucar? Não amar? Não. Para esta pergunta, eu acredito que não haja resposta, nem fórmula mágica, porque ninguém escolhe amar ou deixar de amar.
Penso eu, que amar é uma questão de treino, de adaptação ao sentimento; à entrega.

Para criar intimidade com o amor, tem de se deixar levar por ele; tem de amar por completo, sem metades. Tem que treinar.
É uma analogia entre um banho de chuveiro e um mergulho de cabeça no ribeirão: molha-se de ambas as formas, porém, com intensidades diferentes.

Em uma só frase, o sábio Vinícius de Moraes talvez tenha receitado o remédio que pode ser a chave para destrancar as portas do amor: "que seja eterno, enquanto dure". Siiiimmm... Enquanto durar, tem de ser forte, sincero e eterno. E se acabar, tem de acabar no final, afinal de contas, como diria Chacrinha, "o jogo só acaba, quando termina".

Roberto Carlos cantou lindamente "você foi o maior dos meus casos, de todos os abraços, o que eu nunca esqueci". Uma canção que, apesar de bela, mostra que o protagonista se esqueceu de tentar esquecer e, ao invés de viver aquele amor, enquanto durou e guardar na mente e no coração os bons momentos, preferiu sofrer sozinho a vacância deixada pela sua amada. Vacâncias podem ser apenas hiatos. Mas isso, só o tempo é quem diz.


Músicas que falam de amor têm intrínsecas em si, o sentimento mais nobre que um ser humano pode ter, até porque, acho que só os seres humanos têm o dom de se apaixonar.

Dentro da minha admitida ignorância, até acredito que outros animais são capazes de demonstrar amor e eu não saberia dar outro nome àquela alegria que meu cachorro demonstra quando eu chego em casa. Sim. É amor.

Mas não é esse amor ao qual me refiro. Falo de paixão, de querer estar a qualquer custo ao lado de uma pessoa e tão somente daquela pessoa. Falo do amor que deixa a gente bobo. De amor de pele, de respirar a mesma respiração, de olhar juntos na mesma direção. O amor das escrituras sagradas, que "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta". E este amor, só os seres humanos são capazes de sentir.

Portanto, somente quando se entra e permanece confortável em um amor, pode-se dizer que está preparado para amar. Senão, o negócio é treinar mais.


terça-feira, 15 de agosto de 2017

Meu primeiro amor








Primeiro texto da série "Meus amores"
Eu tive alguns amores. Falando assim parece que foram amores fugazes, sem ou com pouca importância. Mas não. Foram todos contundentes, pontiagudos, marcantes e quase todos, mal cicatrizados.


A maioria chegou com os dois pés no meu peito, como coice de cavalo bravo. Indomável. E, de repente, eu me via assim, dominado, sem conseguir me esgueirar do arrebate. Mas era bom. Foram bons.

Meu primeiro amor, de verdade, era a menina mais doce do mundo. Ela surgiu do meio de outras tantas que dançavam na matinê do clube da cidade, com passos iguais, com uma coreografia sem destaque para ninguém, mas que, ainda assim, a destacou para esse músculo que bate dentro do meu peito. E de repente, ali estava ela: alva, cabelos de petróleo, olhos de camponesa e o sorriso mais meigo e puro que um ser pode sorrir.

Até hoje eu busco palavras que definam aquilo que se apoderou do meu juízo e desgadelhou o que, até então, eu tinha de tino.

Ela era linda. E pra cabá, vez ou outra, também olhava em minha direção. Mas cada vez que nossos olhares se coincidiam na trajetória, minha vontade era de pedir desculpas ao mundo, por ter nascido tão inferior àquele ser e, principalmente, pela ousadia de mirar meu súdito olhar àquela criatura divina, feito unicórnio do bosque encantado.

As peças que a vida nos prega, as vezes suplantam os parâmetros da credulidade e, de repente, ali estava ela, brilhante como uma fada que voa deixando um rastro de luz por onde passa e exalando o perfume das deusas de outras dimensões.

Sim, ali estava ela, ao meu lado. Eu, petrificado como se um frasco de cola tenaz tivesse secado sobre o meu franzino corpo, me impedindo de, sequer, olhar para o lado. No caso, o lado dela.

Mas aquele anjo que espalhava pó de pirlimpimpim cansou de esperar por uma reação minha e - percebendo que eu era presa fácil, animal acuado pelo predador - segurou minha mão, sem o menor pudor e perguntou meu nome.

_Jorge. Eu disse incrédulo, ainda atordoado com o êxtase provocado pela suavidade da voz melodiosa da púbere menina.

Aquela atitude a agigantou para os meus sentimentos, mas, ao mesmo tempo, dissipou a cortina de fumaça que há alguns minutos se apresentava como uma intransponível muralha de pedras, guarnecida por soldados romanos.
Não era.
Eu é que era mole mesmo.

Ainda hoje sinto o gosto de chiclete ping-pong do nosso primeiro beijo. E era o céu encontrá-lá, agora, minha namorada e passar com ela, me exibindo para o meu mundinho.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

O legado de Paulo Braga



Um homem que inovou o modelo de cultura regional, nas prefeituras de Franco da Rocha e Francisco Morato

Eu o conheci em meados da década de 1990, quando ele respondia pela diretoria artística da Rádio Estação FM de Franco da Rocha, na grande São Paulo (ne875.com.br). Eu havia sido contratado pela emissora para comandar as noites de sábado, quando fomos apresentados. Ali ele também apresentava um programa noturno que promovia uma espécie de gincana interescolar e os alunos iam defender seus colégios em um quem-sabe-sabe. O negócio era tão contagiante que acabava envolvendo a maioria dos profissionais da rádio, quando ocorriam as finais da tal gincana, dessa vez em um ginásio de esportes da cidade e seu poder de comunicação ficava evidente cada vez que abria o microfone.

Voltamos a nos encontrar durante a reunião de um grupo de comunicadores, no Centro Cultural da mesma cidade. Ele, assim como eu, havia saído da rádio e agora exercia o cargo de secretário de cultura da cidade, trabalho que lhe rendeu ainda mais notoriedade na região, pois sempre foi um homem pluralista e inquieto com o que tinha sob sua tutela. Na verdade, em se tratando de cultura, ele não conseguia se manter apenas em seu quadrado e sempre envolvia pessoas e grupos de outros municípios nos projetos que desenvolvia.

Alguns anos depois, nos reencontramos na cidade vizinha e ele, mais uma vez, comandava a pasta da cultura de Francisco Morato. Para mim, que procuro acompanhar a cena cultural de lá, posso afirmar que a sua presença naquele lugar foi um divisor de águas. Se a cidade sempre seguiu um modelo engessado de cultura, a partir sua chegada houve uma considerável mudança, promovida pelo cara que nunca se deixou levar pela mesmice e sempre mostrou que pensar “fora da caixa” é o melhor caminho para quem quer inovar.

Na época eu ensaiava a produção de um jornal virtual e até chagamos a divergir em uma publicação, o que em nada alterou o respeito que sempre tivemos um pelo outro.

Ele atuou como palestrante, escritor, organizador de eventos, etc, etc e tal. Religioso, sua obra sempre esteve voltada à paz de espírito e o bem ao próximo.

Na última eleição para prefeitos e vereadores, se candidatou a uma cadeira no legislativo da cidade de São Paulo e me convidou para participar de sua nova empreitada e, mais uma vez, o trabalho me colocou ali, para mais essa tarefa. Porém, o destino não permitiu que ele fosse eleito. 

No dia 29 de julho deste ano, esse mesmo destino também não quis mais que ele continuasse a palestrar, escrever, trabalhar... viver.

Paulo Braga. Um homem que, por onde passou, deixou seu legado de respeito, trabalho e transformação.

Diz uma frase atribuída a Adeildo Paraíso, que em 1989 era presidente do sindicato dos estivadores do Porto de Recife: ”O homem é eterno, quando seu trabalho permanece".

Paulo Braga. Você é eterno. 



terça-feira, 27 de junho de 2017

O trem nosso de cada dia

O descaso do governo e a paciência do passageiro da linha 7- Rubi da CPTM


Ginho de Souza
Um dia desses deixei o carro em casa. E o dia pouco importa, porque o que escrevo a seguir, não está restrito a um dia e, infelizmente, também não é exceção.  O fato é que deixei o carro em casa. Não sei se por amor à natureza que, sei, não tem mais salvação ou simplesmente para economizar uns trocados de combustível que não fazem a mínima diferença no orçamento do mês, pois o que economizo acabo gastando tudo de novo em outros trajetos. Deixei o carro em casa e andei até a estação de trens desviando dos cocôs de cachorros – e são vários – distribuídos pelo caminho do bairro onde moro. Não quero aqui entrar na seara dos vendedores ambulantes, que invadiram os trens igual a gafanhotos na lavoura, porque – apesar de respeitar o fato de que poderiam estar matando, roubando e coisa e tal, estão trabalhando – não concordo com a ocupação ao bel prazer de todos os espaços onde caiba um carrinho de picolé e, ou qualquer outro suporte para vender toda sorte de produtos: chocolate, cachaça, banana, DVD pirata, cigarros, bilhetes de embarque (sim, bilhetes de embarque, vendidos em uma espécie de câmbio paralelo ao revés e negociados a preço mais baixo que o oficial na bilheteria... e não me pergunte como conseguem essa proeza). Mas neste dia fui trabalhar de trem. Não é simplesmente um trem: são os trens da linha 7- Rubi, da Companhia de Trens Metropolitanos de São Paulo, a CPTM, e só quem já teve ou tem o desprazer de entrar em um deles, conhece as agruras de sacolejar em um transporte meia-boca em quase todos os sentidos. Para se ter uma ideia, nesse trecho ainda circulam composições fabricadas em 1956, portanto, 61 anos. Entrei na estação de Francisco Morato, município distante uns 50 quilômetros da capital e que, não sei porque, é um terminal – que não é terminal – porque depois de Francisco Morato ainda tem mais quatro estações e aí sim vem o verdadeiro terminal Jundiái. Caminhei por entre ferragens de uma construção que se arrasta há vários anos – uns seis ou sete, não sei ao certo – e para acessar a plataforma cortei caminho passando por um corredorzinho improvisado, literalmente pisando na linha férrea ou, como dizem: passagem em nível. É por ali que todos os passageiros transitam, se não quiserem atravessar por uma escada feita de andaimes de construção, uma gambiarra improvisada há anos e que, ao que parece, deve permanecer ali por mais algum bom tempo (bom, no sentido figurado, claro). Nos autofalantes da estação, a todo momento são veiculadas mensagens de orientação aos usuários, do tipo “não ande mexendo no celular, para não causar acidentes e não atrapalhar a circulação dos demais passageiros”; “não corra, a pressa pode causar acidentes” e uma completamente dispensável: “nas escadas rolantes, segure as crianças pelas mãos”. Esta mensagem seria de grande utilidade, se no local houvesse alguma escada rolante. Não tem. Escada ali, só mesmo a tal feita de andaimes de construção. A gambiarra. É impressionante como a estação enche de gente em tão pouco tempo e para agravar a situação, os trens demoram para chegar e para sair, principalmente fora dos chamados horários de pico. O relógio beirava as 10h e eu ali esperando o dito-cujo dar as caras, quando depois de uns 15... 20 minutos, lá vem ele, com sua testa de ferro pintada de vermelho. As pessoas se precipitaram em se posicionar nos lugares estratégicos das possíveis paradas das portas, a fim de garantirem um lugar sentadas. Quando o trem finalmente parou, como sempre ninguém que ia entrar esperou quem ia sair, sair. Aí fica aquela coisa: todo mundo sinucado na porta. Mais 15 longos minutos de espera, uns olhando para a cara dos outros e principalmente para seus respectivos telefones celulares – não vou falar dos vendedores ambulantes que gritam a todos pulmões. Os autofalantes dão um tempo naqueles alertas gravados e entra em cena o locutor, ao vivo. “Por questões operacionais, esta composição não prestará serviços”. Siiimmmm... aquele trem nããããããõooo ia a lugar algum, pelo menos com passageiros dentro. Saímos todos para, novamente, esperar pelo próximo que, apesar de dar as caras rapidinho, ou menos demorado que o primeiro, foi se arrastando como uma lesma manca até a estação Luz, não sem o anda-anda, grita-grita, vende-vende dos ambulantes... ah... isso eu já disse que não ia dizer. Esse cenário de desordem e salve-se quem puder pode soar como novidade, mas não é e já vem se arrastando há décadas, diuturnamente e as justificativas, pelo menos as do serviço de autofalantes são sempre as mesmas: obras de manutenção. Com tudo isso fica a dúvida: como é que o governo quer que deixemos o carro em casa, quando o transporte público que deveria oferecer, senão conforto, um mínimo de respeito a quem paga e dele precisa? Em uma publicação na internet com dados operacionais de 2010, a própria companhia diz que sua missão é “ofertar serviços de transporte de passageiros com padrões de excelência que atendam às necessidades e expectativas dos usuários e da sociedade”. Já se passaram sete longos anos e a luz no fim do túnel não está se mostrando ao dobrar nenhuma das curvas do longo trecho da famigerada linha 7-Rubi. Em matéria publicada no site do Jornal Estadão de 10 janeiro de 2017, o governo do Estado de São Paulo lutava na justiça para suspender uma liminar que proibia o reajuste nas passagens do transporte metropolitano, que compreende metrô, trens da CPTM e ônibus da EMTU. Na época, segundo o jornal, o governo projetava arrecadação de R$ 220 milhões neste ano, com a justificava do “grave prejuízo aos cofres do Estado em caso de suspensão definitiva dos aumentos nas tarifas de trem, metrô e ônibus intermunicipais”. Posso até admitir que o dinheiro não seja suficiente. Não sei. Mas como usuário do sistema de transporte público, posso assegurar é que a coisa não está boa e merece especial e urgente atenção. Por enquanto, eu sou mais um contribuinte dos congestionamentos que engessam a marginal do rio tietê, todos os dias.


sexta-feira, 12 de junho de 2015

Mecânicos e mexânicos

A triste história do carro que passou a andar de lado, tipo caranguejo

O que mais gosto nesse meu blog, é justamente a minha presença sazonal. Não que não tenha acontecido coisas interessantes pra postar; muito pelo contrário. Minha vida é um mar de ocorrências, umas legais, outras, nem tanto, porém o que me falta mesmo é tempo e – na maioria dos casos – preguiça mesmo de pôr no “papel”, as inúmeras coisas que me ocorrem ou que apenas observo acontecer com os outros. Mas, como diria Roberto Carlos em seu eterno calhambeque "Essa é umas das muitas histórias que acontecem comigo”.
O assunto também envolve carro, só que não um calhambeque. O protagonista da vez é o meu carro popular mesmo.
Como o bichinho já está comigo há alguns anos, ele sempre reclama de alguma peça desgastada ou que está fazendo um barulhinho nesta ou naquela articulação. Reclamação atendida, saímos do mecânico com a manutenção em dia e entramos na primeira porta que dizia: alinhamento e balanceamento. Eu tinha uns compromissos que poderiam ser resolvidos no interstício do tempo em que meu camarada era submetido à calibragem ortopédica. Larguei ele lá, aos cuidados dos caras que se apresentaram como profissionais, e fui cuidar da vida.
Voltei, entrei, liguei, andei, me irritei.
Por que?
Um pneu andava em linha reta e o outro insistia em virar à esquerda. Ou seja, o carro saiu pior do que entrou. Mas já estávamos longe demais para retornar no mesmo dia. No seguinte, lá fomos nós tentar consertar o conserto. Só que os picaretas tentaram me convencer de que haviam feito um bom trabalho e que... e que.... ah, sei lá quais argumentos usaram para me persuadir a ir embora ou então, pagar uma nova quantia para que eles refizessem o que já havia sido feito, quer dizer, mal feito.
OK. Depois de alguns pareceres de ambas as partes, se convenceram de que não iriam me convencer e, vencidos, subiram meu carro naquele elevador de novo. Mexe de cá, aperta parafuso de lá. Ficou pronto. Fui embora sujando as mãos no volante, com a graxa deixada pelo porco e entrei na próxima porta com placa que dizia: alinhamento e balanceamento.
Confesso que não me surpreendi quando tive de pagar pra fazer, desta vez direito, o serviço que já havia teoricamente sido feito na oficina anterior.
Entre voltar lá, pedir meu dinheiro de volta e ter de parlamentar tudo de novo com aquela legião de picaretas, preferi ouvir a voz de um amigo: esqueça isso e bola pra frente.

Resumo da ópera: o molho ficou mais caro que o peixe. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Camelos, esquimós, bactérias e laranjas

Um relato sobre a falta de preparo com que os alunos saem do ensino regular para os cursos técnicos

Ginho de Souza

O professor usava camelos e ursos polares para exemplificar a tolerância de determinadas espécies a temperaturas extremas. A ideia era começar com seres, digamos, maiorzinhos, até chegar às bactérias que não podem ser vistas a olho nu. No frigir dos ovos, os mamíferos figurariam em uma analogia para determinar os cuidados que se deve ter com doenças causadas por microrganismos.

A aula era de microbiologia e o professor se empenhava em sair da explicação “arroz com feijão”, para que seus alunos traçarem uma linha de raciocínio baseada em elementos visíveis e, mais à frente, quando chegassem aos microscópicos, entendessem com mais facilidade. Porém, sequer chegou a completar o primeiro raciocínio e foi interrompido por um rapaz. _Professor. Disse ele. Se estamos fazendo um curso de enfermagem para cuidarmos de pessoas, por que o senhor está falando de camelos e ursos polares? Ou isso aqui é um curso de veterinária e eu não estou sabendo? 

A sala gargalhou.

O professor coçou a cabeça, observou os ventiladores que não davam conta de dissipar o calor do amontoado de gente debaixo da luz fluorescente... respirou... suspirou e emendou: _Oquei. Então vou mudar a metodologia do exemplo. E prosseguiu. Dessa vez figuraram esquimós e beduínos, em substituição a ursos polares e camelos. _Os esquimós, disse todo paciente, suportam baixas temperaturas e os beduínos, altas. Se trocarmos um para o habitat do outro, certamente terão sérias complicações de adaptação.

Diante do silêncio acompanhado da perplexidade – agora não somente do aluno que questionou, mas da cara de “ué” – de toda a sala, o professor prosseguiu, como que numa tentativa de elucidar a interrogação coletiva e chegar logo nos finalmentes da prosa: _Com as bactérias acontece a mesma coisa, por exemplo, se colocarmos um alimento congelado fora do freezer, ele certamente estragará com maior rapidez, pois os microrganismos que não são resistentes ao frio, em temperatura ambiente atuarão no alimento tornando-o impróprio ao consumo em menor espaço de tempo.

_ Continuo não entendendo, professor. Levantou a mão o mesmo aluno. O senhor só me confundiu com camelo, esquimó, urso, bactéria e, como é mesmo? Jesuíno? 

A sala gargalhou novamente.

Elegantemente, o professor pigarreou, fez que não entendeu o gracejo e perguntou ao aluno. _O senhor conhece a parábola do professor que ensinava matemática, usando maçãs como exemplo?

_Não. Respondeu.

_Então vou contar a história. Prosseguiu o professor. _Certa vez um dedicado professor ensinava a operação de adição a seus alunos. Ele perguntou para a sala: se tenho três maçãs e ganho mais duas, com quantas fico? E o Joãozinho retrucou: professor, por favor, o senhor teria como trocar as maçãs por laranjas? É que com maçãs não consigo entender.

Entenderam a analogia? Perguntou o professor.

A sala se manteve em silêncio.

Foi ali que ele percebeu que a sala de aula – com alunos sendo preparados para atuarem em hospitais, postos de saúde e outros locais onde se deve ter um auxiliar de enfermagem – sequer sabia o significado da palavra analogia.

No final da aula o professor pediu demissão.


E viva o construtivismo selvagem.