sexta-feira, 7 de março de 2014

Camelos, esquimós, bactérias e laranjas

Um relato sobre a falta de preparo com que os alunos saem do ensino regular para os cursos técnicos

Ginho de Souza

O professor usava camelos e ursos polares para exemplificar a tolerância de determinadas espécies a temperaturas extremas. A ideia era começar com seres, digamos, maiorzinhos, até chegar às bactérias que não podem ser vistas a olho nu. No frigir dos ovos, os mamíferos figurariam em uma analogia para determinar os cuidados que se deve ter com doenças causadas por microrganismos.

A aula era de microbiologia e o professor se empenhava em sair da explicação “arroz com feijão”, para que seus alunos traçarem uma linha de raciocínio baseada em elementos visíveis e, mais à frente, quando chegassem aos microscópicos, entendessem com mais facilidade. Porém, sequer chegou a completar o primeiro raciocínio e foi interrompido por um rapaz. _Professor. Disse ele. Se estamos fazendo um curso de enfermagem para cuidarmos de pessoas, por que o senhor está falando de camelos e ursos polares? Ou isso aqui é um curso de veterinária e eu não estou sabendo? 

A sala gargalhou.

O professor coçou a cabeça, observou os ventiladores que não davam conta de dissipar o calor do amontoado de gente debaixo da luz fluorescente... respirou... suspirou e emendou: _Oquei. Então vou mudar a metodologia do exemplo. E prosseguiu. Dessa vez figuraram esquimós e beduínos, em substituição a ursos polares e camelos. _Os esquimós, disse todo paciente, suportam baixas temperaturas e os beduínos, altas. Se trocarmos um para o habitat do outro, certamente terão sérias complicações de adaptação.

Diante do silêncio acompanhado da perplexidade – agora não somente do aluno que questionou, mas da cara de “ué” – de toda a sala, o professor prosseguiu, como que numa tentativa de elucidar a interrogação coletiva e chegar logo nos finalmentes da prosa: _Com as bactérias acontece a mesma coisa, por exemplo, se colocarmos um alimento congelado fora do freezer, ele certamente estragará com maior rapidez, pois os microrganismos que não são resistentes ao frio, em temperatura ambiente atuarão no alimento tornando-o impróprio ao consumo em menor espaço de tempo.

_ Continuo não entendendo, professor. Levantou a mão o mesmo aluno. O senhor só me confundiu com camelo, esquimó, urso, bactéria e, como é mesmo? Jesuíno? 

A sala gargalhou novamente.

Elegantemente, o professor pigarreou, fez que não entendeu o gracejo e perguntou ao aluno. _O senhor conhece a parábola do professor que ensinava matemática, usando maçãs como exemplo?

_Não. Respondeu.

_Então vou contar a história. Prosseguiu o professor. _Certa vez um dedicado professor ensinava a operação de adição a seus alunos. Ele perguntou para a sala: se tenho três maçãs e ganho mais duas, com quantas fico? E o Joãozinho retrucou: professor, por favor, o senhor teria como trocar as maçãs por laranjas? É que com maçãs não consigo entender.

Entenderam a analogia? Perguntou o professor.

A sala se manteve em silêncio.

Foi ali que ele percebeu que a sala de aula – com alunos sendo preparados para atuarem em hospitais, postos de saúde e outros locais onde se deve ter um auxiliar de enfermagem – sequer sabia o significado da palavra analogia.

No final da aula o professor pediu demissão.


E viva o construtivismo selvagem.