terça-feira, 27 de junho de 2017

O trem nosso de cada dia

O descaso do governo e a paciência do passageiro da linha 7- Rubi da CPTM


Ginho de Souza
Um dia desses deixei o carro em casa. E o dia pouco importa, porque o que escrevo a seguir, não está restrito a um dia e, infelizmente, também não é exceção.  O fato é que deixei o carro em casa. Não sei se por amor à natureza que, sei, não tem mais salvação ou simplesmente para economizar uns trocados de combustível que não fazem a mínima diferença no orçamento do mês, pois o que economizo acabo gastando tudo de novo em outros trajetos. Deixei o carro em casa e andei até a estação de trens desviando dos cocôs de cachorros – e são vários – distribuídos pelo caminho do bairro onde moro. Não quero aqui entrar na seara dos vendedores ambulantes, que invadiram os trens igual a gafanhotos na lavoura, porque – apesar de respeitar o fato de que poderiam estar matando, roubando e coisa e tal, estão trabalhando – não concordo com a ocupação ao bel prazer de todos os espaços onde caiba um carrinho de picolé e, ou qualquer outro suporte para vender toda sorte de produtos: chocolate, cachaça, banana, DVD pirata, cigarros, bilhetes de embarque (sim, bilhetes de embarque, vendidos em uma espécie de câmbio paralelo ao revés e negociados a preço mais baixo que o oficial na bilheteria... e não me pergunte como conseguem essa proeza). Mas neste dia fui trabalhar de trem. Não é simplesmente um trem: são os trens da linha 7- Rubi, da Companhia de Trens Metropolitanos de São Paulo, a CPTM, e só quem já teve ou tem o desprazer de entrar em um deles, conhece as agruras de sacolejar em um transporte meia-boca em quase todos os sentidos. Para se ter uma ideia, nesse trecho ainda circulam composições fabricadas em 1956, portanto, 61 anos. Entrei na estação de Francisco Morato, município distante uns 50 quilômetros da capital e que, não sei porque, é um terminal – que não é terminal – porque depois de Francisco Morato ainda tem mais quatro estações e aí sim vem o verdadeiro terminal Jundiái. Caminhei por entre ferragens de uma construção que se arrasta há vários anos – uns seis ou sete, não sei ao certo – e para acessar a plataforma cortei caminho passando por um corredorzinho improvisado, literalmente pisando na linha férrea ou, como dizem: passagem em nível. É por ali que todos os passageiros transitam, se não quiserem atravessar por uma escada feita de andaimes de construção, uma gambiarra improvisada há anos e que, ao que parece, deve permanecer ali por mais algum bom tempo (bom, no sentido figurado, claro). Nos autofalantes da estação, a todo momento são veiculadas mensagens de orientação aos usuários, do tipo “não ande mexendo no celular, para não causar acidentes e não atrapalhar a circulação dos demais passageiros”; “não corra, a pressa pode causar acidentes” e uma completamente dispensável: “nas escadas rolantes, segure as crianças pelas mãos”. Esta mensagem seria de grande utilidade, se no local houvesse alguma escada rolante. Não tem. Escada ali, só mesmo a tal feita de andaimes de construção. A gambiarra. É impressionante como a estação enche de gente em tão pouco tempo e para agravar a situação, os trens demoram para chegar e para sair, principalmente fora dos chamados horários de pico. O relógio beirava as 10h e eu ali esperando o dito-cujo dar as caras, quando depois de uns 15... 20 minutos, lá vem ele, com sua testa de ferro pintada de vermelho. As pessoas se precipitaram em se posicionar nos lugares estratégicos das possíveis paradas das portas, a fim de garantirem um lugar sentadas. Quando o trem finalmente parou, como sempre ninguém que ia entrar esperou quem ia sair, sair. Aí fica aquela coisa: todo mundo sinucado na porta. Mais 15 longos minutos de espera, uns olhando para a cara dos outros e principalmente para seus respectivos telefones celulares – não vou falar dos vendedores ambulantes que gritam a todos pulmões. Os autofalantes dão um tempo naqueles alertas gravados e entra em cena o locutor, ao vivo. “Por questões operacionais, esta composição não prestará serviços”. Siiimmmm... aquele trem nããããããõooo ia a lugar algum, pelo menos com passageiros dentro. Saímos todos para, novamente, esperar pelo próximo que, apesar de dar as caras rapidinho, ou menos demorado que o primeiro, foi se arrastando como uma lesma manca até a estação Luz, não sem o anda-anda, grita-grita, vende-vende dos ambulantes... ah... isso eu já disse que não ia dizer. Esse cenário de desordem e salve-se quem puder pode soar como novidade, mas não é e já vem se arrastando há décadas, diuturnamente e as justificativas, pelo menos as do serviço de autofalantes são sempre as mesmas: obras de manutenção. Com tudo isso fica a dúvida: como é que o governo quer que deixemos o carro em casa, quando o transporte público que deveria oferecer, senão conforto, um mínimo de respeito a quem paga e dele precisa? Em uma publicação na internet com dados operacionais de 2010, a própria companhia diz que sua missão é “ofertar serviços de transporte de passageiros com padrões de excelência que atendam às necessidades e expectativas dos usuários e da sociedade”. Já se passaram sete longos anos e a luz no fim do túnel não está se mostrando ao dobrar nenhuma das curvas do longo trecho da famigerada linha 7-Rubi. Em matéria publicada no site do Jornal Estadão de 10 janeiro de 2017, o governo do Estado de São Paulo lutava na justiça para suspender uma liminar que proibia o reajuste nas passagens do transporte metropolitano, que compreende metrô, trens da CPTM e ônibus da EMTU. Na época, segundo o jornal, o governo projetava arrecadação de R$ 220 milhões neste ano, com a justificava do “grave prejuízo aos cofres do Estado em caso de suspensão definitiva dos aumentos nas tarifas de trem, metrô e ônibus intermunicipais”. Posso até admitir que o dinheiro não seja suficiente. Não sei. Mas como usuário do sistema de transporte público, posso assegurar é que a coisa não está boa e merece especial e urgente atenção. Por enquanto, eu sou mais um contribuinte dos congestionamentos que engessam a marginal do rio tietê, todos os dias.