quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Mais uma de amor


2° texto da série
"Meus amores"

Amar não é fácil. Não é tarefa para amadores. Amadores que se aventuram nesse caminho, sem preparo para administrar o percurso, sem perceber que estão dentro de um redemoinho, invariavelmente se machucam e, dependendo da queda, herdam sequelas, às vezes, irreversíveis.


Então qual é o segredo para não se machucar? Não amar? Não. Para esta pergunta, eu acredito que não haja resposta, nem fórmula mágica, porque ninguém escolhe amar ou deixar de amar.
Penso eu, que amar é uma questão de treino, de adaptação ao sentimento; à entrega.

Para criar intimidade com o amor, tem de se deixar levar por ele; tem de amar por completo, sem metades. Tem que treinar.
É uma analogia entre um banho de chuveiro e um mergulho de cabeça no ribeirão: molha-se de ambas as formas, porém, com intensidades diferentes.

Em uma só frase, o sábio Vinícius de Moraes talvez tenha receitado o remédio que pode ser a chave para destrancar as portas do amor: "que seja eterno, enquanto dure". Siiiimmm... Enquanto durar, tem de ser forte, sincero e eterno. E se acabar, tem de acabar no final, afinal de contas, como diria Chacrinha, "o jogo só acaba, quando termina".

Roberto Carlos cantou lindamente "você foi o maior dos meus casos, de todos os abraços, o que eu nunca esqueci". Uma canção que, apesar de bela, mostra que o protagonista se esqueceu de tentar esquecer e, ao invés de viver aquele amor, enquanto durou e guardar na mente e no coração os bons momentos, preferiu sofrer sozinho a vacância deixada pela sua amada. Vacâncias podem ser apenas hiatos. Mas isso, só o tempo é quem diz.


Músicas que falam de amor têm intrínsecas em si, o sentimento mais nobre que um ser humano pode ter, até porque, acho que só os seres humanos têm o dom de se apaixonar.

Dentro da minha admitida ignorância, até acredito que outros animais são capazes de demonstrar amor e eu não saberia dar outro nome àquela alegria que meu cachorro demonstra quando eu chego em casa. Sim. É amor.

Mas não é esse amor ao qual me refiro. Falo de paixão, de querer estar a qualquer custo ao lado de uma pessoa e tão somente daquela pessoa. Falo do amor que deixa a gente bobo. De amor de pele, de respirar a mesma respiração, de olhar juntos na mesma direção. O amor das escrituras sagradas, que "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta". E este amor, só os seres humanos são capazes de sentir.

Portanto, somente quando se entra e permanece confortável em um amor, pode-se dizer que está preparado para amar. Senão, o negócio é treinar mais.


terça-feira, 15 de agosto de 2017

Meu primeiro amor








Primeiro texto da série "Meus amores"
Eu tive alguns amores. Falando assim parece que foram amores fugazes, sem ou com pouca importância. Mas não. Foram todos contundentes, pontiagudos, marcantes e quase todos, mal cicatrizados.


A maioria chegou com os dois pés no meu peito, como coice de cavalo bravo. Indomável. E, de repente, eu me via assim, dominado, sem conseguir me esgueirar do arrebate. Mas era bom. Foram bons.

Meu primeiro amor, de verdade, era a menina mais doce do mundo. Ela surgiu do meio de outras tantas que dançavam na matinê do clube da cidade, com passos iguais, com uma coreografia sem destaque para ninguém, mas que, ainda assim, a destacou para esse músculo que bate dentro do meu peito. E de repente, ali estava ela: alva, cabelos de petróleo, olhos de camponesa e o sorriso mais meigo e puro que um ser pode sorrir.

Até hoje eu busco palavras que definam aquilo que se apoderou do meu juízo e desgadelhou o que, até então, eu tinha de tino.

Ela era linda. E pra cabá, vez ou outra, também olhava em minha direção. Mas cada vez que nossos olhares se coincidiam na trajetória, minha vontade era de pedir desculpas ao mundo, por ter nascido tão inferior àquele ser e, principalmente, pela ousadia de mirar meu súdito olhar àquela criatura divina, feito unicórnio do bosque encantado.

As peças que a vida nos prega, as vezes suplantam os parâmetros da credulidade e, de repente, ali estava ela, brilhante como uma fada que voa deixando um rastro de luz por onde passa e exalando o perfume das deusas de outras dimensões.

Sim, ali estava ela, ao meu lado. Eu, petrificado como se um frasco de cola tenaz tivesse secado sobre o meu franzino corpo, me impedindo de, sequer, olhar para o lado. No caso, o lado dela.

Mas aquele anjo que espalhava pó de pirlimpimpim cansou de esperar por uma reação minha e - percebendo que eu era presa fácil, animal acuado pelo predador - segurou minha mão, sem o menor pudor e perguntou meu nome.

_Jorge. Eu disse incrédulo, ainda atordoado com o êxtase provocado pela suavidade da voz melodiosa da púbere menina.

Aquela atitude a agigantou para os meus sentimentos, mas, ao mesmo tempo, dissipou a cortina de fumaça que há alguns minutos se apresentava como uma intransponível muralha de pedras, guarnecida por soldados romanos.
Não era.
Eu é que era mole mesmo.

Ainda hoje sinto o gosto de chiclete ping-pong do nosso primeiro beijo. E era o céu encontrá-lá, agora, minha namorada e passar com ela, me exibindo para o meu mundinho.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

O legado de Paulo Braga



Um homem que inovou o modelo de cultura regional, nas prefeituras de Franco da Rocha e Francisco Morato

Eu o conheci em meados da década de 1990, quando ele respondia pela diretoria artística da Rádio Estação FM de Franco da Rocha, na grande São Paulo (ne875.com.br). Eu havia sido contratado pela emissora para comandar as noites de sábado, quando fomos apresentados. Ali ele também apresentava um programa noturno que promovia uma espécie de gincana interescolar e os alunos iam defender seus colégios em um quem-sabe-sabe. O negócio era tão contagiante que acabava envolvendo a maioria dos profissionais da rádio, quando ocorriam as finais da tal gincana, dessa vez em um ginásio de esportes da cidade e seu poder de comunicação ficava evidente cada vez que abria o microfone.

Voltamos a nos encontrar durante a reunião de um grupo de comunicadores, no Centro Cultural da mesma cidade. Ele, assim como eu, havia saído da rádio e agora exercia o cargo de secretário de cultura da cidade, trabalho que lhe rendeu ainda mais notoriedade na região, pois sempre foi um homem pluralista e inquieto com o que tinha sob sua tutela. Na verdade, em se tratando de cultura, ele não conseguia se manter apenas em seu quadrado e sempre envolvia pessoas e grupos de outros municípios nos projetos que desenvolvia.

Alguns anos depois, nos reencontramos na cidade vizinha e ele, mais uma vez, comandava a pasta da cultura de Francisco Morato. Para mim, que procuro acompanhar a cena cultural de lá, posso afirmar que a sua presença naquele lugar foi um divisor de águas. Se a cidade sempre seguiu um modelo engessado de cultura, a partir sua chegada houve uma considerável mudança, promovida pelo cara que nunca se deixou levar pela mesmice e sempre mostrou que pensar “fora da caixa” é o melhor caminho para quem quer inovar.

Na época eu ensaiava a produção de um jornal virtual e até chagamos a divergir em uma publicação, o que em nada alterou o respeito que sempre tivemos um pelo outro.

Ele atuou como palestrante, escritor, organizador de eventos, etc, etc e tal. Religioso, sua obra sempre esteve voltada à paz de espírito e o bem ao próximo.

Na última eleição para prefeitos e vereadores, se candidatou a uma cadeira no legislativo da cidade de São Paulo e me convidou para participar de sua nova empreitada e, mais uma vez, o trabalho me colocou ali, para mais essa tarefa. Porém, o destino não permitiu que ele fosse eleito. 

No dia 29 de julho deste ano, esse mesmo destino também não quis mais que ele continuasse a palestrar, escrever, trabalhar... viver.

Paulo Braga. Um homem que, por onde passou, deixou seu legado de respeito, trabalho e transformação.

Diz uma frase atribuída a Adeildo Paraíso, que em 1989 era presidente do sindicato dos estivadores do Porto de Recife: ”O homem é eterno, quando seu trabalho permanece".

Paulo Braga. Você é eterno. 



terça-feira, 27 de junho de 2017

O trem nosso de cada dia

O descaso do governo e a paciência do passageiro da linha 7- Rubi da CPTM


Ginho de Souza
Um dia desses deixei o carro em casa. E o dia pouco importa, porque o que escrevo a seguir, não está restrito a um dia e, infelizmente, também não é exceção.  O fato é que deixei o carro em casa. Não sei se por amor à natureza que, sei, não tem mais salvação ou simplesmente para economizar uns trocados de combustível que não fazem a mínima diferença no orçamento do mês, pois o que economizo acabo gastando tudo de novo em outros trajetos. Deixei o carro em casa e andei até a estação de trens desviando dos cocôs de cachorros – e são vários – distribuídos pelo caminho do bairro onde moro. Não quero aqui entrar na seara dos vendedores ambulantes, que invadiram os trens igual a gafanhotos na lavoura, porque – apesar de respeitar o fato de que poderiam estar matando, roubando e coisa e tal, estão trabalhando – não concordo com a ocupação ao bel prazer de todos os espaços onde caiba um carrinho de picolé e, ou qualquer outro suporte para vender toda sorte de produtos: chocolate, cachaça, banana, DVD pirata, cigarros, bilhetes de embarque (sim, bilhetes de embarque, vendidos em uma espécie de câmbio paralelo ao revés e negociados a preço mais baixo que o oficial na bilheteria... e não me pergunte como conseguem essa proeza). Mas neste dia fui trabalhar de trem. Não é simplesmente um trem: são os trens da linha 7- Rubi, da Companhia de Trens Metropolitanos de São Paulo, a CPTM, e só quem já teve ou tem o desprazer de entrar em um deles, conhece as agruras de sacolejar em um transporte meia-boca em quase todos os sentidos. Para se ter uma ideia, nesse trecho ainda circulam composições fabricadas em 1956, portanto, 61 anos. Entrei na estação de Francisco Morato, município distante uns 50 quilômetros da capital e que, não sei porque, é um terminal – que não é terminal – porque depois de Francisco Morato ainda tem mais quatro estações e aí sim vem o verdadeiro terminal Jundiái. Caminhei por entre ferragens de uma construção que se arrasta há vários anos – uns seis ou sete, não sei ao certo – e para acessar a plataforma cortei caminho passando por um corredorzinho improvisado, literalmente pisando na linha férrea ou, como dizem: passagem em nível. É por ali que todos os passageiros transitam, se não quiserem atravessar por uma escada feita de andaimes de construção, uma gambiarra improvisada há anos e que, ao que parece, deve permanecer ali por mais algum bom tempo (bom, no sentido figurado, claro). Nos autofalantes da estação, a todo momento são veiculadas mensagens de orientação aos usuários, do tipo “não ande mexendo no celular, para não causar acidentes e não atrapalhar a circulação dos demais passageiros”; “não corra, a pressa pode causar acidentes” e uma completamente dispensável: “nas escadas rolantes, segure as crianças pelas mãos”. Esta mensagem seria de grande utilidade, se no local houvesse alguma escada rolante. Não tem. Escada ali, só mesmo a tal feita de andaimes de construção. A gambiarra. É impressionante como a estação enche de gente em tão pouco tempo e para agravar a situação, os trens demoram para chegar e para sair, principalmente fora dos chamados horários de pico. O relógio beirava as 10h e eu ali esperando o dito-cujo dar as caras, quando depois de uns 15... 20 minutos, lá vem ele, com sua testa de ferro pintada de vermelho. As pessoas se precipitaram em se posicionar nos lugares estratégicos das possíveis paradas das portas, a fim de garantirem um lugar sentadas. Quando o trem finalmente parou, como sempre ninguém que ia entrar esperou quem ia sair, sair. Aí fica aquela coisa: todo mundo sinucado na porta. Mais 15 longos minutos de espera, uns olhando para a cara dos outros e principalmente para seus respectivos telefones celulares – não vou falar dos vendedores ambulantes que gritam a todos pulmões. Os autofalantes dão um tempo naqueles alertas gravados e entra em cena o locutor, ao vivo. “Por questões operacionais, esta composição não prestará serviços”. Siiimmmm... aquele trem nããããããõooo ia a lugar algum, pelo menos com passageiros dentro. Saímos todos para, novamente, esperar pelo próximo que, apesar de dar as caras rapidinho, ou menos demorado que o primeiro, foi se arrastando como uma lesma manca até a estação Luz, não sem o anda-anda, grita-grita, vende-vende dos ambulantes... ah... isso eu já disse que não ia dizer. Esse cenário de desordem e salve-se quem puder pode soar como novidade, mas não é e já vem se arrastando há décadas, diuturnamente e as justificativas, pelo menos as do serviço de autofalantes são sempre as mesmas: obras de manutenção. Com tudo isso fica a dúvida: como é que o governo quer que deixemos o carro em casa, quando o transporte público que deveria oferecer, senão conforto, um mínimo de respeito a quem paga e dele precisa? Em uma publicação na internet com dados operacionais de 2010, a própria companhia diz que sua missão é “ofertar serviços de transporte de passageiros com padrões de excelência que atendam às necessidades e expectativas dos usuários e da sociedade”. Já se passaram sete longos anos e a luz no fim do túnel não está se mostrando ao dobrar nenhuma das curvas do longo trecho da famigerada linha 7-Rubi. Em matéria publicada no site do Jornal Estadão de 10 janeiro de 2017, o governo do Estado de São Paulo lutava na justiça para suspender uma liminar que proibia o reajuste nas passagens do transporte metropolitano, que compreende metrô, trens da CPTM e ônibus da EMTU. Na época, segundo o jornal, o governo projetava arrecadação de R$ 220 milhões neste ano, com a justificava do “grave prejuízo aos cofres do Estado em caso de suspensão definitiva dos aumentos nas tarifas de trem, metrô e ônibus intermunicipais”. Posso até admitir que o dinheiro não seja suficiente. Não sei. Mas como usuário do sistema de transporte público, posso assegurar é que a coisa não está boa e merece especial e urgente atenção. Por enquanto, eu sou mais um contribuinte dos congestionamentos que engessam a marginal do rio tietê, todos os dias.